Por volta do ano de 1993, participando de um evento eclesiástico, em Goiânia, GO, um renomado Pastor da Assembleia de Deus, falando de sua viagem à terra Santa, tirou uma pedrinha do bolso argumentado que uma das provas da presença de Deus no Monte Sinai, em forma de fogo e fumaça, é que, passando os dedos nas pedras, lá – “ainda hoje” – disse-nos ele, dá para perceber as cinzas escuras provenientes das mesmas.
Quem lida com o sagrado sabe que, nesses eventos eclesiásticos, o contraditório soa como voz subversiva e não é bem visto pelas partes. No auditório, na ocasião, não se ouviu nenhuma voz discordante ante a narrativa entusiasmada do clérigo, da sua experiência hierofânica. Se todos concordaram, não se sabe. O certo é que ninguém o questionou…nem eu.
Contudo, a história da saída do povo hebreu, do Egito, envolve alguns aspectos que necessitam de cuidados em seus enunciados. Isso porque, a geografia e a história não entram em detalhes quanto ao percurso exato, feito pelos hebreus, dando margem a inúmeras conjecturas. Vez em quando os pesquisadores lançam novas teses, às quais se seguem antíteses, num movimento dialético interminável.
Portanto, certas interpretações (ou teses) prestam-se mais às conveniências econômicas dos países onde ocorreram os pernoites e paradas (Egito, Arábia e Israel), antes do povo chegar à terra prometida, do que esclarecer, de fato, sobre a precisão dos locais por onde o povo de Deus peregrinou durante quarenta anos.
Aqui, en passant, pretendo abordar (sem precisar) a questão: onde fica o Monte Sinai? Em primeira mão, prestemos atenção ao que diz Êx 19,1-2: “Na terceira Lua-nova depois da saída dos filhos de Israel da terra do Egito, naquele mesmo dia, chegaram ao deserto do Sinai […] Israel acampou lá, diante da montanha”.
Para começar, é conveniente esclarecer que em Israel havia três tipos de festas. Semanais, mensais e anuais. Logo, estamos tratando da festa da “Lua-nova” (mensal). A periodicidade dessa festa era de 29 dias (um mês lunar) entre uma e outra. Era celebrada no início de cada mês e indefinidamente (Nm 28,11,14-15).
Como vimos, os israelitas acamparam ao pé da montanha do Sinai na “terceira Lua-nova, depois que saíram do Egito”. Logo, pelo que se deduz das passagens de Êxodo 12,18, 31-33, na hipótese mais otimista, os israelitas partiram do Egito no dia 15 do mês de Abib, ou Nissan, (segundo a origem babilônica) o qual passaria a ser o primeiro mês da nação israelita, a partir dali (Ex 12,2). A ‘terceira Lua-nova”, pois, corresponde a, aproximadamente, oitenta e sete dias de peregrinação, desde a saída do Egito até chegarem na montanha do Sinai. No entanto, como se sabe, uma coisa que Deus não demonstrou, em relação à entrada do povo em Canaã, foi pressa.
Em consequência das paradas às margens do Mar Vermelho, antes que este se abrisse, para repouso em Mara (Ex 15,23, Elim e Sin (Ex 16,1) além de outras localidades do deserto do Sinai, é impossível calcular quantos quilômetros foram percorridos pelo povo, até o início da “terceira Lua-nova”, de que trata Êxodo 19,1. Ou seja, é praticamente impossível determinar quantos quilômetros foram percorridos até o referido Monte, se não se sabe em qual Monte ocorreu a teofania e, ainda, porque o povo não ia pelo percurso mais curto, na direção a Canaã.
Sempre imaginei que para os egípcios e/ou israelitas seria fácil determinar o local exato do Monte Sinai descrito na Bíblia, mas descobri que não é bem assim. Acerca desse assunto, para minha sorte, recebi recentemente, em meu e-mail, uma matéria, de Israel, que transcrevo abaixo: “Há algumas candidatas (sic) possíveis para ser o local do Monte Sinai. A tradição mais antiga identifica o local como Jebel Mussa (“a Montanha de Moisés”) localizada entre as Montanhas de Granito ao sul da Península do Sinai. Peregrinos cristãos visitam este local desde o século quatro. Um dos monastérios mais antigos do mundo, Santa Catarina, foi construído ao pé da montanha. Os israelitas podem ter passado por esta montanha, pois fugiram do faraó utilizando um caminho conhecido usado para transportar turquesa do norte do Sinai para o Delta do Nilo.
Uma segunda opção é o Monte Karkom, localizado ao sul de Israel, muito próximo da fronteira egípcia. A montanha foi um local sagrado importante durante milênios. Ela está coberta com milhares de escrituras antigas e arte em pedra que chega a datar até o ano 4000 a.C. O Monte Karkom também convence pela sua localização próximo de Kadesh Barnea, o oásis que se transformou na base dos israelitas durante os seus 38 anos no deserto. A bíblia diz que este oásis fica a onze dias de viagem do Monte Sinai (Deut. 1:2).
A terceira opção é Jebel el-Lawz, na Arábia Saudita. Esta região era conhecida como Midian na época bíblica. Os defensores desta teoria apontam o fato de que Moisés estava nesta região porque tinha consultado com seu sogro Jetro, um sacerdote Midianita antes de subir o Monte Sinai (Ex. 18:1). Se este for a localização verdadeira, significa que os israelitas cruzaram o Mar Vermelho antes (Ex. 13:18), era na verdade o Golfo de Aqaba. Além disso, esta montanha tem um topo tingido de preto, que sustenta a descrição bíblica da montanha “e todo o monte fumegava, porque o SENHOR descera sobre ele em fogo” (Ex. 19:18).
Nós provavelmente nunca saberemos a verdadeira localização do Monte Sinai, mas talvez este seja um mistério que não deve ser solucionado. Antes de Moisés subir sozinho na montanha, Deus instrui ele para “marcar termos ao redor do monte, e santificá-lo” (Ex. 19:23). Seu segredo e mistério são intencionais. Mas isso não impediu que geógrafos bíblicos tentem identificar a verdadeira localização”.
Daí, que compreendi o Pastor citado no início desta matéria. Para que violentar sua fé, se não há necessidade de se objetivar teofanias (aparições pessoais de entidades e divindades) e hierofanias (a forma como o ‘sagrado’ se manifesta em coisas, objetos e lugares, tornando-os sacralizados)? Por que tentar desvendar os mistérios que envolvem o fenômeno religioso e seus simbolismos?
O mistério desvendado, além de deixar de ser mistério, deixa, também, de ser fascinante. Já imaginaram o fluxo de fiéis, turistas, para esses lugares sagrados? Qual dos três países abriria mão de ser o lugar da famosa teofania?
Assim sendo, parece-nos de menor importância saber onde fica o Monte Sinai. Saber ou não onde ele fica não aumenta e nem diminui a fé dos fiéis das três religiões envolvidas – Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.