MORAL INDIVIDUAL E SOCIAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Esta abordagem sobre moral contempla dois importantes eixos de análise. O primeiro analisa a moral como um conjunto de valores culturais. Essa teoria (cf. a obra: ‘A genealogia da Moral’, de Nietzsche) defende que sua apreensão, pelo indivíduo, é o reflexo das construções críticas desses mesmos valores, convencionados pela sociedade. Ou seja, a moral nasce na sociedade e, portanto, não pertence à ontologia humana.

Já o segundo eixo defende a moral como valor ontológico, ou seja, ela faz parte do ser, enquanto ser e deste não se separa. Assumindo-se esta última hipótese, o ser humano, desde o nascimento, traz em si mesmo, certa dosagem de consciência crítica a qual capacita-o a discernir entre o certo e o errado, independente se esses valores são ou não convencionados, socialmente.

Diante disto cabem algumas questões que se pretendem abordar aqui: A moral tem valor ontológico ou é produto cultural, apenas?

Análise do Caso

Para começar, diferente da moral ontológica, a moral social resiste muito pouco aos padrões canônicos rígidos dos que defendem sua aplicação universal, a exemplo das universais kantianas. A essência da ética kantiana é que, devemos agir sempre de modo que nossas ações possam ser imitadas por todos. De certa forma esse princípio é inexequível se for aplicado linearmente.

Ou seja, quanto à aplicabilidade, a moral ontológica não se iguala aos preceitos morais sociais. Nem mesmo quando é tratada, pontual e objetivamente, nos limites do indivíduo, pois este, ao lidar com valores morais sofre, involuntariamente, os efeitos dos movimentos culturais, externos, da sociedade da qual faz parte, tais como os efeitos religiosos, paternos, comunitários, profissionais, educativos, etc., e geográficos como os fatores climáticos, temporais, étnicos, entre outros.

Admite-se, pois, que os juízos de valores, em relação à moral, por serem cosmológicos, dinâmicos e autóctones, passam por ‘movimentos’ permanentes, tanto de justaposição quanto de sobreposição. A dinâmica ou mobilidade, é que torna a moral em objeto móvel e adaptável ao tempo e ao espaço. Não é temerário afirmar que, de região para região, de povo para povo, entre outros fatores, os valores morais apresentam contornos diferenciados.

Dá-se isto porque a fôrma cultural (de onde emerge a moral) é diferenciada em sua geografia e historicidade. O que é moral aqui, pode não ser acolá e vice-versa. Este aspecto último, por sinal, serve de ajuda aos que defendem que a moral é um subproduto cultural e elitista.

Quando se diz que a moral não é um conceito monolítico, damos como exemplo (entre milhares de outros) a época, na história do Brasil, em que se considerava natural e de bom costume manter pessoas escravas como serviçais desumanizados, a serviço das classes dos senhores. Não era considerado imoral mantê-los subjugados e ‘diminuídos’ na sua dignidade, açoitados no corpo e na alma e tratados como animais, pelos seus ‘donos’, diante do mais ínfimo desejo de liberdade.

Vejamos que a base na qual estavam (e ainda estão) construídos os conceitos da moral dominante, em relação à igualdade entre os seres humanos era efêmera. Ora, os ‘donos’ dos escravos eram a mesma classe burguesa, dona da moral escravista. Depois que foi obrigada, por força da lei, a aceitar o fim da escravidão, essa mesma elite inverteu o discurso, insinuando-se ser ela, a ‘dona’ da moral da liberdade, como se a liberdade fosse um favor prestado aos negros e ao país, por eles próprios.

Não é difícil deduzir que a classe dominante de então, tanto se via ‘dona’ da moral escravista, quanto da moral da liberdade. Eis aí, pois, a confirmação de uma premissa de domínio público: Nem tudo que é legal é moral. Pensando objetivamente, não era imoral manter uma classe de escravos, visto que isto era uma convenção social, legal.

Centrando-nos, portanto, nas objetividades, é mister reconhecer a importância da argumentação dos céticos da antiguidade, que diziam ser a moral um conjunto de “convenções sociais”. Nesta confluência de valores sociais, deduz-se, então, que é na base moral individual, que se criam as convenções reguladoras das relações pertinentes à grande sociedade organizada, que é o Estado. O conjunto de preceitos morais é como um vetor que parte de um ponto chamado indivíduo na direção de um outro denominado grupo, ou sociedade.

Rediscutindo o Mérito

As diferenças importantes entre a moral do indivíduo (subjetiva) e a moral social (objetiva) talvez expliquem o por que dos indivíduos denunciados por corrupção no Brasil, terem uma reação completamente diferente dos de outros países como Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos, Inglaterra, Suécia, Suíça, Dinamarca etc. Naqueles países, dada a consistência da base na qual são edificados os valores morais e éticos, o constrangimento perante a sociedade é tamanho que eles chegam até mesmo ao suicídio.

No Brasil, os valores morais não têm a mesma consistência que naqueles países. A sociedade, aqui, não cobra rigidez moral, no manejo da res publica (coisas do povo, ou “coisa pública”) porque ela se vê projetada nos indivíduos governantes que ele elege. O filósofo contratualista Thomas Hobbes diz, na obra O Leviatã, que se transfiro poder para alguém agir em meu nome, não tenho que reclamar dos seus atos, mesmo que sejam os piores porque, tanto eu quanto quem elejo temos a mesma índole.

Nas sociedades bem estruturadas, moralmente, os indivíduos sofrem quando cometem delitos que contrariam seus princípios pessoais. Têm crise de consciência, antes mesmo dos seus atos falhos serem descobertos. No Brasil, os delituosos só são considerados infratores quando são formalmente denunciados pela justiça. Essa ausência de arrependimento ou remorso, principalmente na classe política, denota má formação de caráter, o que vem a ser algo bem preocupante.

Colocamos, ainda, outro questionamento: Quando é que a moral se torna objetividade? No nosso entendimento é quando essas “convenções sociais” nos são arbitradas verticalmente, através de contratos, convenções, acordos, estatutos, regimentos e outros instrumentos coercitivos e/ou compulsórios, tanto ao indivíduo, quanto às instituições. Todas estas instrumentalidades são classificadas como contratos morais objetivos.

Quanto a se estes ‘contratos sociais” têm, de fato, valor moral inquestionável para o indivíduo, da mesma forma que o têm para as instituições (principalmente o Estado), gostaría de acrescentar o seguinte:

As “convenções sociais” têm valor moral e ético sim, para seu patrono (o Estado, por exemplo), pois a objetividade desses instrumentos supõem um “justo meio”, que resulta de um silogismo onde são colocados três importantes elementos dialéticos: Tese, antítese e síntese. As convenções sociais conservam um alto nível de moralidade e legalidade se resultarem como síntese dos antagonismos previamente discutidos em reuniões, assembleias, convenções, etc., quando deduz-se ter havido, no mínimo, o prevalecimento do querer de uma maioria através de um processo dialético e típico do modelo republicano.

O mínimo que os contratos sociais devem conter, são premissas que atendam os anseios da sociedade, primeiramente, e depois do cidadão. Nesta ordem porque, numa sociedade justa o bem estar da coletividade vem em primeiro plano, portanto sobrepujando, sem violência, os interesses individuais. Nesta perspectiva, o viés antitético das questões morais se apresenta como alternativa à imposição da moral aristocrática.

Por outro lado, os valores dos instrumentos legais da objetividade, embora tenham valor moral para o Estado (ou outra instituição), podem conter vícios capazes de violentar o conjunto de valores morais objetivos, dos indivíduos. Concebamos, hipoteticamente, o julgamento de um processo instaurado contra um eventual acusado de homicídio. Suponhamos que as provas e as testemunhas sejam falsas, mas, que o juiz e o corpo de jurados não tenham como conferir isto.

Mas, como todos os elementos desse julgamento estavam, objetivamente, de acordo com a preceituação legal e moral, o réu foi julgado e condenado. O problema é que, depois de tempo provou-se que o réu era inocente. Por esta hipótese verifica-se que a moral desse ato legal está presente apenas na objetividade do contrato, pois se se conhecessem as nuanças dos valores morais de uma forma mais intimista (subjetiva) não se cometeria tal injustiça.

Concluímos, então, que só existe princípios morais e legais, socialmente justos, se tais princípios forem embasados em princípios morais individuais bem formados.

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