A MORAL DA DOMINAÇÃO EM NIETZSCHE

Pretendo, nos poucos parágrafos abaixo e sem pretensão de ser conclusivo, fazer a defesa de um dos mais estudados e contraditados pensadores do período moderno da nossa filosofia Ocidental, se é que assim posso dizer. Trata-se de Nietzsche (1844-1900). De quem dizem, os que não atentaram para seu feeling irônico, ser ele quem ‘decretou’ a morte de Deus.

Em seus trechos curtos, metafóricos e irônicos – denominados aforismos – (cf. obra A Genealogia da Moral, de 1887) Nietzsche aproveita para fustigar e denunciar a origem e o conceito elitista da nossa moral social. Para isto utiliza-se de fina retórica para discorrer sobre o acervo filosófico cultural dos valores morais herdados pelo pensamento ocidental.

Nietzsche põe na sua alça de mira, principalmente, o cristianismo. Ele vê nessa religião um poderoso nicho ditatorial da moral dominante e formadora de opinião.
Seriam suas teorias uma tentativa de implodir os valores morais culturais/históricos, anteriores a ele, para promover uma reconstrução deles? Acreditava ele ser isto, realmente, possível? Ou ele não queria implodir nada e sim, apenas denunciar as falácias históricas desses valores habilmente construídos em prol da manutenção de status quo, pelas elites opressoras?

Há fortes indícios (e esta é uma interpretação particular) que ele não pretendia promover mudanças na estrutura do pensamento existente até então, mas, apenas remover a maquiagem demagógica que encobre os juízos de valores de dominação e ‘convenientemente’ instituídos segundo o interesse das classes dominantes, quanto aos juízos, “Bom e Mau” e “Bom e Ruim”.

Esses indícios são lentamente apreendidos pelos leitores – os ruminantes intelectuais – das suas obras à medida que as vão lendo. Enquanto as lemos vamos percebendo que não se trata de uma filosofia de colocações raivosas emanadas de um ser aparentemente iracundo, à semelhança da sua fisionomia estampada nos pôsteres que circulam mundo afora.
Sim, suas expressões faciais passam a ideia de um homem contundente e encolerizado, pronto a desferir golpes contra as instituições elitistas, inclusive a ‘instituição da linguagem’ que, segundo ele, tem a função de apenas reproduzir os valores dominantes. O caráter da sua linguagem é de denúncia.

Muitas – muitíssimas – pessoas confundem o filólogo com o filósofo. Nietzsche é filólogo/filósofo e não filósofo/filólogo. Como tal, ele se interessa pela origem das palavras e dos conceitos. Por isto é mal compreendido e mal interpretado em muitos dos seus aforismos.

Na obra citada, ele fundamenta suas proposições em princípios filológicos dado o profundo conhecimento que detinha dessa ciência. Não é por caso que afirma com precisão lógica, milimétrica e com extrema felicidade, que “o direito dos senhores, de dar nomes, vai tão longe, que se poderia permitir-se captar a origem da linguagem mesma como exteriorização de potência dos dominantes: eles dizem, “isto, é isto e isto”, eles selam cada coisa e acontecimento com um som e, com isso, como que tomam posse dele” (NIETZSCHE  1999 p. 342).

Ainda um outro indício que aponta para sua não intenção de protagonizar uma nova ordem moral, é o fato de não se colocar como mentor de um projeto filosófico no qual defenda as razões do lobo e sua alcateia e nem também do rebanho ressentido. Ele simplesmente aborda grande parte dos temas da sua época, na Europa, e critica fortemente a tradição filosófica ocidental sem intenção de estabelecer doutrinas, a não ser a que afirma que toda verdade pretendida a respeito do homem não passa de vaidade.
A melhor definição, por sinal, que encontrei para o que Nietzsche chama de vaidade é: coisa vã. Uma prova importante, que ele não tinha pretensão de mudar o status quo filosófico é que ele expressa seus pensamentos de forma aforística.
Quando ele critica as tradições, procura traçar perfis genealógicos de valores morais com os quais ele convivia, individual e socialmente e que não via tanto sentido neles, na vida prática das pessoas comuns. Tanto os rapinantes (que correspondem aos dominantes e opressores) quanto os cordeirinhos (representados pelos dominados indolentes).
Segundo seus enunciados, as massas são induzidas a pensarem que vivem sob a égide de valores morais justamente constituídos, segundo o curso dos interesses gerais e universais. Mas não é assim. Na verdade, esses valores morais são nada mais que preceitos engendrados e camuflados pelos nobres para serem artificiosamente impostos às classes dominadas (199, p. 341) que os engolem sem ‘degustar’ e sem saberem que gosto têm.

Bibliografia

NIETZSCHE, Friedrich. Para a Genealogia da Moral.  (Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho). São Paulo: Nova Cultural,1999.

NIETZSCHE, Friedrich. Nietzsche – Vida e Obra. (Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho). São Paulo: Nova Cultural, 1999.

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