DINHEIRO X FÉ NO TEXTO DE MT 6,24

Uma pergunta que atormenta os seres mortais comuns (como eu), que não herdaram dinheiro e bens, nunca ganharam em loterias e nem tiveram milhões depositados em suas contas correntes é: devo privar-me de consumir o que gosto e preciso, para poder guardar ‘algum’, ou sou daqueles que nunca juntam dinheiro, porque acho que dinheiro é para gastar e passar troco? Qual o “justo meio” entre ser avarento e/ou ser perdulário? Aliás, é bom que se diga que a diferença do avarento para o perdulário é que o primeiro se priva até do que é essencial à vida, para juntar dinheiro, enquanto o perdulário é obcecado em satisfazer suas concupiscências, ou desejos exacerbados.

Problema do coração

Pois é, o manuseio do dinheiro serve para indicar tendências do coração. Vejamos que tanto o avaro quanto o pródigo obedecem aos ditames do coração. O primeiro, por amor ao dinheiro e o segundo por amor à luxúria.

Como se sabe, desde a antiguidade o coração ostenta o privilégio de ser o centro das emoções e das concupiscências. Os nossos gestos, características morais, discursos, procedimentos e outras expressões estereotipadas, refletem o que está guardado no seu íntimo. Por isto Jesus falou que a boca fala do que está cheio o coração. Por conseguinte, Jesus rotulou as pessoas que disfarçam suas atitudes exteriores, maquiando as mazelas do coração, de “sepulcros caiados” (Mt 23,27).

Avareza e prodigalidade

O coração, entre muitos outros, aloja dois vícios morais, ou deficiências de caráter, sobre os quais quero discorrer. São eles, a avareza e a prodigalidade. Todos nós temos os germes destes dois vícios, no nosso coração, ainda que ambos habitem lugares opostos do mesmo espaço. Destes dois, o mais alimentado é que se torna mais forte e domina sobre o outro. Ambos os vícios morais compõem nosso caráter e, como se sabe, o caráter é uma parte do ser que pode mudar, se ajustar, piorar, melhorar etc., pelo que, somos privilegiados.

Ou seja, diferente da nossa natureza, que não muda, o caráter é mutável. Por exemplo uma pessoa, antes perdulária, pode tornar-se avara e vice-versa, modificando seu destino. Em sendo assim, os vícios da avareza e da prodigalidade, por exemplo, têm força suficiente para determinar o caráter (características) de uma pessoa, fincando-lhe as tendas do destino, ou sorte. Dos dois, o que mais se destacar, nas pessoas, é o que lhes impinge sua marca indelével, definindo-as como pessoas de bom caráter ou de caráter duvidoso.

Dinheiro e fé

Qual o posicionamento de Jesus a respeito do dinheiro? Refletindo sobre os ensinos dele vemos que o Mestre não condena o dinheiro e nem quem o tem. Condenou, sim, os dois sentimentos extremos em torno do monney. Tanto censurou o amor exacerbado (paixão) pelo dinheiro, que é uma característica do avaro, quanto o desprezo imprudente pelo mesmo, que é uma característica do perdulário, ou pródigo.

Das duas características, avareza e prodigalidade, a pessoa perdulária é a que mais usa o coração visto que é quem mais se entrega aos desejos para satisfazer suas concupiscências. Já o avaro é mais lógico, frio e calculista do que o perdulário. Sem embargo das características mais intelectuais que emocionais, a avareza só pertence à seara do coração porque o avaro se cerca de amor libidinoso ao dinheiro e, como já foi dito, a libido não é uma propensão do intelecto e sim do coração.

Pelo menos é isto que Jesus transmite quando diz: “Onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mt 6,24). Ou seja, o avarento usa o amor direcionado ao objeto errado, aqui retratado como acúmulo de dinheiro e bens, ou tesouros. O avarento valoriza sua vida presente e fugaz, em favor do ter dinheiro e em desfavor da vida futura e eterna.

Já o perdulário, embora despreze o dinheiro e não tenha por ele nenhum apego ou libido, em compensação o seu coração é inclinado aos prazeres carnais, à esbórnia e à devassidão. Tudo que lhe traz prazer. Contudo, ambos os objetos (dinheiro e pândega) podem monopolizar o coração de uma pessoa, afetando o seu caráter e destino.

Jesus censurou também o perdulário, pela imprudência demonstrada no trato com os bens e com o dinheiro, na parábola do filho pródigo Lc 15,11-32. Agindo como pândego, o filho pródigo demonstrou total desprezo por planos, projetos, sonhos, sobrevivência digna para si mesmo e para a família, tornando-se uma pessoa incontinente, inconsequente e egoísta. Um mau caráter, digamos assim.

O acúmulo de dinheiro, numa perspectiva cristã

Observemos que Jesus não condena as pessoas por terem muito dinheiro, porém ele censura quem dedica a existência ao acúmulo de dinheiro e bens, esquecendo sua própria alma. “Acúmulo” nos diz de uma pessoa que, mesmo tendo dinheiro suficiente, nunca se contenta com o que tem; sempre quer mais e mais, com a intenção de acumular dinheiro sobre dinheiro.

Dedicar-se apaixonadamente ao acúmulo de bens (tesouros) demanda toda uma existência em prol disto e depois ter de deixar tudo aqui, após a morte, correndo risco de perder a vida eterna. Esses são os tipos de pessoas a quem Jesus chamou (chama) de “tolos” (Lc 12,19).

É bom que se saiba que os projetos aos quais nos dedicamos obcecadamente, indicam os rumos do nosso coração. Pessoas de caráter avaro têm sorte diferente de pessoas de caráter pródigo (perdulário). Ou seja, um está no polo oposto do outro. Por isto mesmo as Escrituras nos ensinam a sermos sóbrios (1Ts 5,8), temperados e confiantes nas provisões do Senhor (Sl 32,10). Há até quem diga que o dinheiro não traz felicidade. Pode não trazer felicidade mas, com certeza, traz muito prazer.

Outrossim, o amor ao dinheiro é incompatível com o sentimento cristão, visto que o primeiro é idolatria. O amor ao dinheiro enseja uma sobreposição conceitual dos bens materiais em relação aos bens espirituais. De modo que os valores de uma pessoa avarenta são diferentes dos valores de uma pessoa desprovida desse vício.

Cabe afirmar aqui que o crente avarento se iguala ao ímpio no seu modus vivendi. O crente que, mesmo lendo que “o justo viverá pela sua fidelidade” (Hc 2,4), não arreda o pé das filas de casas lotéricas fazendo sua ‘fezinha’ em ‘loto’, ‘quina’, ‘sena’ e outros jogos de azar, ou os que vivem de negócios escuros e ávidos por lucro a qualquer custo, estão negando a sua fé e confiança em Deus e colocando o coração na direção do ter muito dinheiro. Está se nivelando ao ímpio.

Deve-se entender que o ímpio tem seu sistema próprio de crença e confiança em Deus, e com razão. Com razão porque o ímpio não tem obrigação de ter fé e nem confia sua vida nas mãos do Senhor. Ele confia mesmo é na carne e no sangue. Ou seja, em si mesmo. Embora o ímpio creia que Deus existe, contudo, acha que esse Deus é muito distante e ‘ausente’ da vida dele. Que Deus vive mais por e para si, que para os ‘outros’. Quanto ao justo, este sabe que Deus, além de  existir, está muito  próximo; inclusive está ao redor dos que o temem. O Deus do justo é um Deus presente, que tudo vê e tudo sonda (Sl 17,3). Somente assim, seu julgamento é justo e reto.

No mundo dos ímpios, quem tem, domina sobre quem não tem e o valor de uma pessoa é proporcional ao que ela possui. A ditadura do dinheiro e do poder econômico é tão grande que, quem não tem bens acumulados, nem espera ser dominado; já se entrega à dominação dos que muito têm.

Mas os justos sabem que as dimensões físicas e espirituais devem coexistir em função do seu Criador; que na perspectiva cristã os valores espirituais devem sobrepujar os bens e posses temporais e que os bens materiais somente assumem uma importância muito grande, quando eles são colocados a serviço de Deus, em preitos de gratidão e ações de graças.

    Jesus contestou a relação piedade x prosperidade, toda vez em que a piedade é minimizada, enquanto a prosperidade é maximizada até atingir os píncaros da usura. Em Lc 16,13 Cristo denuncia a condição idolátrica da riqueza e diz que quem ama a riqueza vive sempre, o pesadelo de perdê-la (Lc 8,14). O Mestre alerta, ainda, quanto  ao perigo da falsa impressão de segurança e independência que a riqueza proporciona (Lc 12, 33-34).
O crente que mantém a sobriedade, a humildade, a mansidão e o temor a Deus, mesmo tendo muito dinheiro, é uma bênção.

O Senhor vos abençoe.

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