INDIVÍDUO E SOCIEDADE, NO FENÔMENO RELIGIOSO
Considerando nossa disposição de fazer mestrado no curso de Ciências da Religião, propomos-nos a refletir sobre essa ciência, analisando seus conceitos essenciais e funções. Essa disciplina, relativamente nova, é de inquestionável contribuição para o estudo do fenômeno religioso, em parceria com outras disciplinas afins, como antropologia, sociologia, filosofia, arqueologia etc.
Matriz religiosa
Para Geertz, “a religião é um sistema de símbolos que age para estabelecer nas pessoas, humores e motivações poderosos, persuasivos e duradouros, formulando concepções de uma ordem geral de existência e revestindo essas concepções com uma tal aura de factualídade de modo que esses humores e motivações pareçam singularmente realistas”.
Por conseguinte, Geertz define a religião considerando a relação estabelecida entre dois elementos principais e intrínsecos: primeiro é o seu ethos e, segundo, a visão de mundo pertinente à mesma. Outro autor, Asad, diz que a religião não pode ser explicada para além de seu contexto relacionado à história e cultura. Diz ele: “A religião deve sempre ser entendida em seu contexto histórico-cultural e não separada dele”.
Por conseguinte, Geertz define a religião considerando a relação estabelecida entre dois elementos principais e intrínsecos: primeiro é o seu ethos e, segundo, a visão de mundo pertinente à mesma. Outro autor, Asad, diz que a religião não pode ser explicada para além de seu contexto relacionado à história e cultura. Diz ele: “A religião deve sempre ser entendida em seu contexto histórico-cultural e não separada dele”.
Porém, os séculos XIX e XX trouxeram consigo, uma mudança de mentalidade nos acadêmicos europeus. Estes passaram a considerar as civilizações menos desenvolvidas como possíveis ‘raízes’ da sua própria cultura religiosa, o que até então era pouco provável. Ou seja, considerava-se pouco provável que houvesse um sistema religioso próprio e reduzido às dimensões de uma tribo, fechada em si mesma, em um rincão qualquer.
Essa mudança conceitual resultou das teorias de Darwin (1809-1882), organizadas e publicadas por Herbert Spencer (1820-1903), conhecidas como ‘darwinismo social’. Elas vieram com argumentos em favor de uma evolução universal dos seres humanos baseados na ideia da “sobrevivência do mais forte”.
Depois, Edward Burnett Tylor (1832-1917) concordou com o conceito de Spencer, de uma evolução sócio/religiosa, muito embora rejeitasse a ideia que a devoção ancestral era a raiz de toda religião no mundo. Tylor preferiu teorizar sobre o conceito de evolução da religião, começando nessa ordem: animismo, politeísmo e, finalmente, o monoteísmo. Para ele não havia evidência de que as chamadas “culturas inferiores” (culturas primitivas, conforme as denominava) tivessem surgido a partir da degeneração de uma civilização superior.
Conceito Classicista
Os acadêmicos classicistas reagiram. Começando a procurar a “religião mais primitiva” do mundo para estudar o estágio primário da evolução humana. Ou seja, um estágio pré-religioso. E, durante algum tempo, pensaram tê-lo encontrado nas culturas aborígines australianas. Os aborígines tornaram-se, conforme Max Charlesworth nomeou, os “primitivos” paradigmáticos ou as matriciais religiosas, pois presumia-se que haviam permanecido em um nível “pré-religioso” de magia.
James George Frazer foi o primeiro acadêmico de relevo nesse debate. Ele escreveu, sobre o assunto na obra The golden bougl! (1890). A partir de então, as religiões aborígines australianas foram classificadas como mágicas, com todas as conotações negativas, como um modo de consciência pré-religioso e pré-científico.
O período moderno e as grandes idéias
Durante as primeiras décadas do século XX houve o surgimento de grandes ideias contrárias às teorias evolucionistas. Essas ideias não se restringiram apenas à antropologia da religião. Ocorreu, igualmente, em outros ramos dos estudos da religião que estivessem conectados à antropologia. Grande parte dos estudiosos do século XX “promoveu a ideia da religião corno um constructo humano que teve suas origens dentro do indivíduo ou da sociedade, origens que os próprios crentes religiosos ignoram”.
“Durkheim rejeitava as interpretações biologicistas e psicologicistas do fenômeno social que ele considerava “fatos sociais” com características e determinantes sociais distintivos. Durkheim via a religião não como uma explicação do mundo, mas como meio de fazer afirmações simbólicas sobre a sociedade”. Segundo ele, “rituais, por exemplo, criam identidade coletiva porque unem os membros de grupos religiosos”.
Outro importante expoente do funcionalismo que elaborou a teoria das funções coletivas de Durkheim, incluindo uma visão mais individualista, foi Broníslaw Kaspar Malinowski (1884-1961). Ele promoveu uma visão emocionalista da religião. Para ele, todo ser humano necessita de algum tipo de crença. Ele descreveu de forma bastante elaborada, as funções de vários tipos de magia, particularmente em conexão com os mitos.
Mas, as teoria de Durkheim não encontraram apoio em todos os pensadores do fenômeno sócio/religioso. Por exemplo, discordando de Durkheim, Malinowsky diz que a religião desempenha um papel importante para o indivíduo. Desta forma, Malinowsky explora o viés antropológico, em detrimento do viés sociológico do fenômeno religioso.
O período rebelde – a era anticolonial e o papel da Antropologia
A antropologia da religião passou por mudanças após a Segunda Guerra. Sir Edward Evans-Pritchard (1902-1973), defendeu a ideia de uma racionalidade diferente, ainda que lógica, onde o ‘outro’ passa a ter importância no estudo da antropologia. Para ele a questão que desafia a antropologia é a da tradução. Esta, envolve dois pontos complexos: o problema de adentrar o universo mental de uma cultura estrangeira e o problema de tornar aquele universo compreensível aos outros, aos membros da própria cultura.
Isso porque a religião é vista a partir de dois ângulos: o do crente e o do não crente. Este último estuda a religião através das ciências sociais e humanas tentando mostrá-la, em muitos casos, como ilusão. Outro importante pesquisador da antropologia Claude Lévi-Strauss (1908), desenvolveu um dos últimos grandes movimentos na antropologia, o estruturalismo (francês). Essa corrente combinou as idéias do funcionalismo estrutural com os conceitos em desenvolvimento, da linguística estrutural.
Dos indígenas da Amazônia, Levi-Strauss extrai as regras gramaticais da sociedade para poder conhecer a estrutura inconsciente das sociedades, seus textos (os mitos, particularmente), as línguas e as culturas. Seu objetivo é compreender a estrutura universal, uma vez que ele acredita que as estruturas subjacentes às sociedades particulares são universais (pelo menos em algum grau).
Alguns conceitos-chaves da antropologia da religião
Conforme John Middleton observa, as pessoas expressam suas crenças de diversas maneiras. “Através de mitos, lendas, narrativas folclóricas, noções de tempo e espaço. Também as expressam por suas ações, por sacrifícios, orações e correlatos. Esses são os conceitos-chaves principais da antropologia da religião, as maneiras pelas quais as pessoas concebem sua sociedade e o mundo no qual ela está construída”.
À parte do atual debate sobre a definição de religião, os símbolos são uma das questões-chaves da pesquisa antropológica no campo do fenômeno religioso. Geertz chega, inclusive, a basear sua definição de religião nos símbolos.
À parte do atual debate sobre a definição de religião, os símbolos são uma das questões-chaves da pesquisa antropológica no campo do fenômeno religioso. Geertz chega, inclusive, a basear sua definição de religião nos símbolos.
A Importância do Mito e do Ritual
Outra questão-chave no campo da antropologia da religião é o mito. A palavra mito vem do grego mythos, que originalmente significava “fala” ou “discurso”, mas que posteriormente veio a designar “fábula” ou “lenda”. É definido, também, com freqüência, como uma história de origem esquecida ou vaga, basicamente sobrenatural ou religiosa por natureza, que busca explicar ou racionalizar um ou mais aspectos do mundo ou de uma sociedade. Bartolomé Ruiz (2004), dá boa contribuição para entendermos o papel do mito, ao dizer que este não deve ser relacionado à uma mentira ou ficção. Segundo ele mito é uma verdade que não precisa ser confirmada.
No contexto do tema do fenômeno da religião temos a presença do ritual. Um ritual é uma cerimônia religiosa que envolve uma série de ações desempenhadas de acordo com uma ordem definida, normalmente cerimonial. Em nosso campo de estudo, o termo ritual refere-se a costumes sociais tradicionalmente sancionados. O ritual ou liturgia cúltica serve de suporte para as religiões, pois é fator determinante como memorial e associação dos símbolos religiosos.
As visões do fenômeno religioso são diversificadas. Quer seja antropológica, sociológica, cultural ou ontológica, o fenômeno religioso desafia os sentimentos e a intelectualidade, pois se trata de um nível de espiritualidade, de caráter subjetivo e que não se pode explicar.
BARTOLOMÉ RUIZ, Castor. Os paradoxos do imaginário. São Leopoldo, Unisinos, 2004.
SCHMIDT, Bettina. A Antropologia da Religião. Frank Usarski (org.). O espectro disciplinar da ciência da religião. São Paulo: Paulinas, 2007.