A FORMAÇÃO DO CARÁTER À LUZ DE PV 22,6

Em que Pv 22,6 nos ajuda a entender como se dá a formação do nosso caráter? Para entendermos esta passagem bíblica e sua relação com a formação do caráter, é necessário discorrer sobre mais alguns detalhes pertinentes ao tema.

Vejamos.

A palavra ‘caráter’ é proveniente de ‘caractere’ que, por sua vez, nos remete a outra palavra, ‘característica’. Esta, refere-se tanto às características físicas quanto às características morais. As características é que diferenciam uma pessoa, de outra.
Quando vemos o caractere ‘@’, automaticamente nos conduzimos para e-mail, e quando vemos ‘$’ nos lembramos de dinheiro, por causa das características assumidas por tais caracteres. Assim, esses caracteres vãos assumindo funções e sentidos definidos de ‘marcas’, as quais passam a representar ideias fixas, ou símbolos de coisas.
Os caracteres e os símbolos são tão importantes que, através deles, somos capazes de saber o que acontece numa sociedade inteira, sem inquirir um e outro, sobre as características de tal povo. Quando se afirma que determinado povo é indolente, violento, inteligente, heroico etc., está-se, automaticamente, apontando características morais, comuns, pelas quais esse povo ficou ‘marcado’. Se um povo é de cor negra, parda, amarela, vermelha ou branca; se é de estatura baixa ou alta etc., as referências, neste caso, giram em torno das característica físicas.
Isto acontece porque as pessoas são marcadas por duas características recorrentes ou predominantes. A primeira são as características físicas ou esteriotipadas. Estas recebem, cientificamente, o nome de antropometria. A Antropometria, preocupa-se com o crescimento, construção de mobiliário, roupas, maquinário, ambientes de trabalho (ROEBUCK, 1975) das pessoas. Estuda, também, a cor, a altura, o tamanho do crânio etc. São dados importantes para a antropologia descobrir a etnia ou origem geográfica das pessoas.
O segundo conjunto define as características interiores: morais e/ou comportamentais. Portanto, este segundo conjunto de características morais (comportamentais) é que define o caráter das pessoas, determinando quais delas têm um ‘bom’ ou ‘mau’ caráter.
Caráter e Personalidade
Algumas pessoas confundem caráter e personalidade. Tentaremos esclarecer a diferença. Personalidade é a maneira de ser, de uma pessoa. É o que, independentemente de moral, determina a diferença de temperamento entre uma pessoa e outra. Por exemplo, pessoas sisudas, extrovertidas, transigentes, intransigentes, belicosas, pacíficas, alegres, tristes, etc. Vale repetir: Essas maneiras ou formas de ser, das pessoas, não representam problemas morais.
Já, com relação ao caráter, as pessoas podem ser verdadeiras/falsas, fieis/infiéis, leais/desleais, honestas/desonestas etc. Filosoficamente, o conjunto de boas características, é tratado como virtudes enquanto o conjunto de características más é tratado como vícios. As características morais, positivas, indicam pessoas de bom caráter, enquanto as características morais, negativas, indicam pessoas de mau caráter. Portanto uma pessoa pode ser qualificada de virtuosa, da mesma forma que viciosa.
O Caráter é Uma Espécie de Rótulo
De que forma uma pessoa é reconhecida como de ‘bom’ ou de ‘mau’ caráter? Ora, podemos afirmar que um sujeito ‘bom caráter’ é aquele, cujo montante de virtudes agregado a si mesmo, é maior do que o conjunto de vícios. Quanto ao famigerado ‘mau caráter’, dizemos que é a pessoa que agrega ao seu comportamento mais vícios do que virtudes.
Logo, temos que ter cuidado com rótulos. Uma pessoa que, esporadicamente, diz uma mentira não pode ser rotulada de mentirosa, porque ‘mentirosa’ é um rótulo que define uma pessoa que faz da mentira, um hábito. Do mesmo modo, quem emite um cheque sem fundo, por exemplo, não pode ser rotulado de estelionatário, porque ‘estelionatária’ é a pessoa que faz da emissão de cheques sem fundos, um hábito. Vejamos que o problema central do ‘caráter’ está no ‘hábito’ e não no simples ‘ato’.
É bom que se diga que tanto a personalidade quanto o caráter podem ser mudados, sendo que, é mais fácil mudar o caráter que a personalidade. Uma pessoa antes sisuda pode, com muito esforço, tornar-se extrovertida, enquanto uma pessoa mentirosa, pode, com menor esforço, tornar-se uma pessoa verdadeira. Ou vice-versa.
É que, como dissemos, a personalidade envolve o modo de ser de uma pessoa. Algo mais difícil de mudar. Enquanto o caráter é formado por hábitos, os quais podem ser bons ou maus, embora, possam ser mais facilmente cambiados. Uma pessoa de mau caráter, mas que pratica uma boa ação, torna esta boa ação um ‘acidente’.  Da mesma forma, uma pessoa de caráter bom, quando pratica uma ação má, esta má ação é acidente. Acontece isto quando as ações de ambos não são um hábito, mas atos isolados.
Como o Caráter é Formado?
Aqui é que melhor se aplica o texto de Provérbios (22,6). Observemos que o caráter é formado por hábitos. Bons ou maus. O público alvo do autor de Provérbios, poderia ser qualquer um, mas ele escolheu as crianças para aplicar seu ensino. Exatamente porque as crianças podem ser mais facilmente moldadas, ensinadas. “Ensina a criança o caminho que deve andar”.
Mas, como o caráter de uma pessoa é formado? Não é difícil entender. Biblicamente, primeiro surge o pensamento ou determinação, em nós, para praticarmos um ato qualquer, bom ou mau. Em segundo lugar, deliberamos transformar nosso bom ou mau pensamento em ato.
Em terceiro lugar, a repetição desses atos, bons ou maus, transformam-se em hábitos. Os nossos bons ou maus hábitos, por sua vez, é que determinam as nossas características morais, ou caráter. Resumindo: primeiro vem o pensamento, depois o ato. A repetição do ato torna-se hábito (costume) e, por fim, o hábito determina o caráter.
Moldando Nosso Caráter
O que é necessário para tomarmos boas decisões? Para tomarmos boas decisões, termos bons hábitos e, por fim, um bom caráter, é preciso termos tido, na infância, um sólido aprendizado moral. Nossas decisões procedem da nossa mente, portanto esta deve acumular uma gama muito grande e significativa de valores morais positivos, recebidos dos nossos pais e mestres.
Ensinar “a criança o caminho que deve andar” é fundamental para formar nela uma estrutura mental capaz de dar-lhe condições de cultivar bons pensamentos e, a partir desse conhecimento, praticar boas ações até transformá-las em hábitos saudáveis. Bons hábitos são a base de um caráter excelente.
É fundamental, ainda, que quem ensina para alguém, o caminho que este deve andar, primeiro, que tenha bom conteúdo para ensinar e, segundo que também ande no mesmo caminho que o discípulo, pois os conteúdos e os bons exemplos são condições essenciais para um discipulado saudável. Embora o texto de Pv 22,6 não fale o que deve ser ensinado, subentende-se, contudo, tratar-se de ensinar a Lei do Senhor, a Palavra de Deus, Ética e cidadania, além de outros inúmeros hábitos que formam uma cultura saudável.
Por que a Palavra de Deus vem em primeiro plano? Porque no Salmo 12,6 está escrito que “as palavras do Senhor são palavras puras, como prata refinada em fornos de barro e purificadas sete vezes”. Alguém poderia abrir mão de uma palavra tão mais excelente que a palavra de Deus, para moldar o caráter de uma pessoa, principalmente de uma criança?
Mas, para as pessoas que se autoanalisam e concluem que não têm bom caráter e que precisam mudar, Jeremias (4,14) recomenda: “Lava o teu coração da malícia […] até quando permanecerão no meio de ti os teus maus pensamentos?”
 
Por que Jeremias falou assim? Porque o profeta sabia que o caráter é como o barro, com o qual se fabricam utensílios. O barro pode ser extraído do solo, passado pela água, que o torna flexível e transformado até assumir a forma que o oleiro deseja. Depois é passado pelo fogo que o purifica e, enfim, torna-se útil para o que se propõe. Assim também pode ocorrer com pessoas que formaram seu caráter através de péssimos hábitos mas que, agora querem mudar. Isto, pois, é possível, com a ajuda da Palavra de Deus e da ação do Espírito Santo.
Jesus alertou seus discípulos sobre os fundamentos do caráter quando afirmou: “Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultério, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias” (Mt 15,19).

 

É necessário, pois, termos cuidado com os nossos pensamentos, pois a qualidade do nosso caráter é resultado deles.

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