DE ONDE VEM NOSSA FORMA RELIGIOSA DE PENSAR?

À luz do pensamento de Lohse (2000) brindamos os pesquisadores e estudantes do tema da religião e sua interação social, com uma apreciação dos aspectos intelectivos sócio-religiosos mais comuns às grandes religiões conhecidas no nosso dia a dia.

Discorremos aqui, contudo, apenas sobre um eixo da pesquisa feita pelo pensador Lohse, ou seja, sobre o panteão Greco-romano e o estilo de ação das suas respectivas divindades, em relação ao destino do homem e a influência delas (as divindades) no contexto social.

Para começar pergunta-se: como se estabeleciam as relações entre homens e divindades, no pensamento helenista?

Vamos lá.

No plano central do pensamento místico grego, os deuses desse panteão não são tão intervencionistas nas questões humanas, como o são os do Oriente, como por exemplo, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Nestas religiões (conhecidas como religiões reveladas) Deus intervém nos destinos dos homens e das nações, fazendo ou modificando a história. Essa ideia, por sinal, é exageradamente assimilada por grande parte dos protestantes dos séculos XX/XXI para quem Deus está a serviço do homem em seus mínimos anseios.

Em relação ao panteão greco-romana, é por causa dessa ‘ausência’ parcial dos deuses helênicos no cotidiano dos homens, que as religiões oriundas do pensamento helenista (Ocidente) são classificadas como religiões cíclicas, sapienciais e/ou filosóficas. Nelas o papel do homem é de extrema relevância na condução do seu próprio destino, dando lugar, assim, a doutrinas humanistas, racionalistas, existencialistas e antropocêntricas.

Ou seja, o sistema religioso que tem como símbolo a figura geométrica de um círculo, não favorece o delineio dos elementos que caracterizam o tempo, como sejam: começo, meio e fim; elementos estes que compõem o fator história. Sim, isto mesmo. Não existe história naquilo que não tem princípio, meio e fim. Nesse caso, as religiões cíclicas – todas as religiões reencarnacionistas – não contam com esses três elementos acima, no seu sistema simbólico de salvação e condenação.

O filósofo antigo Platão (428 – 348 a.C), teorizando sobre o conceito dualista do homem (o homem é corpo e alma) apresenta importantes enunciados em Teoria das Reminiscências da alma (Anamnese). Por conseguinte, essas teorias serviram de inspiração para formar o corpo doutrinários das religiões cíclicas: sapienciais e movimentos místicos filosóficos. O ateniense diz que a alma sente saudade do lugar perfeito de onde veio (mundo inteligível). Para lá sempre deseja voltar, mas como é imperfeita só conseguirá êxito depois de passar por um indefinido processo de aperfeiçoamento (no mundo sensível ou das sombras), num processo cíclico de reencarnações.

Antecipando as questões colocadas por aqueles leitores mais críticos que defenderão a tese que não existe mais religiões isoladas (autóctones) no seu contexto, já que todas elas obedecem certos princípios matriciais comuns, desde já eu concordo. Além dos princípios matriciais comuns às religiões, em geral, defendo, ainda, que a globalização, inclusive, proporciona às grandes religiões enorme carga de sincretismos, os quais vão impregnando o religious body de cada uma delas.

Mesmo assim, consideramos que a tese em questão não descaracterisa e, ainda menos invalida a divisão categórica das grandes religiões mundiais (reveladas e sapienciais) em seus aspectos fundantes como, Orientais e Ocidentais (WILGES, 1993).

Antropomorfismos

Especificamente, quanto às divindades do mundo religioso ocidental, os deuses gregos são bastante antropomorfizados. Isto é, a eles são atribuídas muitas características inerentes aos seres humanos, desde suas aparências, inclusive físicas.

Quanto aos deuses do Oriente, sem embargo do status antropomórfico em menor escala, eles têm características e ontologias próprias, além de atributos naturais exclusivos. Iahweh, por exemplo, tem como principal atributo natural em sua ontologia, ser espírito (Jo 4,23). Ainda assim, por causa da influência do pensamento helênico na nossa formação cultural, nós, religiosos cristãos, costumamos atribuir a Deus, (até de forma exagerada) as mesmas características humanas, ou antropomórficas como braço, olho, ouvido, coração, mente etc. com toda sua carga de literalidade.

Dois outros aspectos a respeito dos deuses greco-romanos são:

  1. a)No Oriente eles eram representados em formas de animais poderosos e terríveis. Na Grécia são seres humanos “puros e verdadeiros”;
  2. b)No Oriente as imagens estavam no santíssimo e somente os sacerdotes consagrados tinham acesso a elas, enquanto os gregos não tinham esse conceito de ‘separação’ (LOHSE, 2000, p.212);

Festas e Sacrifícios

No helenismo, a vida na cidade e no Estado, era determinada pela vontade dos deuses, portanto sublevar-se contra ela era soberbia (hybris), tornando o homem culpado perante eles. Nessa cultura não havia um dia reservado ao descanso e às festas. Estes eventos aconteciam o ano inteiro e agregavam os jogos festivos e as homenagens aos deuses.

Os jogos olímpicos, na Grécia, eram os mais importantes eventos religiosos da época e a busca da superação dos próprios limites, visava uma equiparação entre os competidores e os deuses do Olimpo. Por isso os vencedores dos jogos eram saudados com honras quase místicas. Contudo, a expressão grega atribuída a Sócrates, “conhece-te a ti mesmo” ou “Nosce te Ipsum” como se conhece em latim, era um alerta a certas pessoas fenomenais para que reconhecessem seus próprios limites e jamais se atrevessem a competir com os deuses do Olimpo.

Olhando pelo aspecto de como agradar aos deuses e como conferir o seu humor em ralação aos mortais, havia todo um sistema sacrificial e de ofertórios. Os sacrifícios e oferendas eram feitos nos lugares altos e em montanhas onde “as vísceras dos animais mortos eram queimadas no altar, e as partes comestíveis, entregues aos mercadores para serem vendidas nos mercados”

Era por meio desses sacrifícios e ofertas  feitos para os deuses, que se requeriam os seus favores, em forma de proteção, saúde e prosperidade. Ocasionalmente, tanto nas religiões cananeias (Orientais) quanto nas religiões ocidentais, poderia ocorrer sacrifício humano, se houvesse algum voluntário. Os deuses da corte helenista eram conhecidos como Zeus, Atena, Apolo, Afrodite, entre outros (LOHSE, 2000, p. 211).

A Cura

A religião influenciava o cotidiano das pessoas e os oráculos intermediavam os deuses nas consultas por causas políticas e pessoais, como enfermidades e curas, por exemplo. (LOHSE, 2000, p.215). A relação entre deus e homem era distinta e a inscrição “conhece-te a ti mesmo”, no templo de Delfos, servia para lembrar a distância que havia entre eles, em poder e força. (LOHSE, 2000, p. 213).

Os problemas de enfermidades e curas já eram elementos incorporados à religiosidade popular e à ideia de destino. Em relação a isso, aparece a figura de Asclépio, o deus da cura, adorado por muitas pessoas. Seu símbolo era a serpente, seu culto foi introduzido em Atenas por volta de 420/19 a. C. Ele tinha um santuário em Epidauro. Seus adeptos alojavam-se nos arredores do templo onde dormiam, esperando a cura através dos sonhos, transes e delírios ocasionados por jejuns e longos períodos de abstinência.

Em vista das enfermidades que assolavam as pessoas com suas nuanças físicas e mentais, havia necessidade urgente da cura e da saúde, o que originava uma busca frenética pelos deuses da cura, de pessoas com dons sobrenaturais e exorcistas. Entre esses homens temos as figuras de Apolônio de Tiana e Vespasiano.

As superstições, a astrologia, a feitiçaria e os augúrios eram recorrentes na busca de sinais em voos de aves, em vísceras de animais mortos e em observações da abóbada celeste, à procura de sinais sobrenaturais, sobre os destinos dos homens. Nem o judaísmo escapava desse respingar da magia e do feitiço pois, “até magos não-judeus invocavam o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó para assegurar sua ajuda, sem fazer caso do mandamento vétero testamentário de não invocar o nome de Deus em vão nem utilizá-lo para fins mágicos” (LOHSE, 2000, p. 219).

As Comunidades de Mistério

Havia, então grande espaço dedicado às religiões de mistério, pois elas davam resposta para questões como incertezas, medo, ameaça de demônios e de doenças, e sobre como evitá-los. “Mistério” é uma palavra de origem grega “muô”, que significa o ato de manter a boca fechada.

O sistema simbólico era repleto de significados ocultos e a referência a religiões de ‘mistérios’ era porque elas guardavam silêncio absoluto sobre os seus atos ritualísticos (LOHSE, 2000, p.221), necessitando que somente pessoas com atributos especiais para lidar com o sagrado, pudessem dirigir os rituais e intermediar as relações entre deuses e homens. Ainda segundo Rudolf Otto ‘mistério’ “significa qualquer coisa de secreto, algo que nos é estranho, incompreensivo, inexplicável”.

Algumas dessas religiões estavam relacionadas ao culto a Osíris e Isis, do Egito; Adônis, da Síria; Átis e Cíbele, da Frígia; Mithra, da Pérsia, entre outros.  As comunidades de mistério aceitavam libertos e escravos, gregos e estrangeiros, homens e mulheres, numa espécie de nomia social.

LOHSE, Eduard. Contexto e ambiente do Novo Testamento. Trad. Hans Jörg Winter. São Paulo: Paulinas, 2000.

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