DEMÔNIOS: FOMOS ‘DOMADOS’ POR ELES?

Os demônios são vistos pelas religiões como instrumentos para justificar e personificar a existência abstrata do mal. Mesmo assim, eles exercem muito fascínio junto às pessoas permeando o imaginário de todos nós por causa do conceito grego, antigo, um pouco diferente do que temos hoje. Mas, quem são os demônios, afinal?

A palavra demónio tem origem no grego daimónios, indicando  seres que têm carácter divino, maravilhoso, extraordinário. Do latim daemŏnĭu-, pequeno génio. “Do grego para o português e para a grande parte das línguas europeias ocidentais, a palavra sofreu, portanto, uma evolução semântica que acarretou a criação de um significado oposto ao original”, diz o dicionário consultado.

As variações semânticas, portanto, nutrem dúvidas a respeito deles, no meio cristão. Uns afirmam que são diferentes dos anjos caídos, expulsos do céu (Ap 12,9). Outros, que os anjos caídos e os demônios não são a mesma coisa. Ou então confundem ídolos e divindades como Marduc, Moloch, Isis, Osíris, Iris, Baal, Baalzebub, Astarote, Ashera, etc., com demônios.

 Naturalmente, ídolos são diferentes de demônios. Ídolos são produtos da imaginação humana ainda que, eventualmente, sejam associados aos demônios. Estes, por sua vez, não são produto da imaginação humana, pelo que diz a Bíblia. Porém, eles podem se colocar por trás dos ídolos, manipulando os sentimentos e as ações humanas.

Então, a diferença imaginária entre anjos caídos e demônios, deve ser porque os demônios são vistos como seres vis, nefastos, imundos, sujos, horrendos, asquerosos, repugnantes, retorcidos, conforme atesta a iconografia dos movimentos Iluminista e Renascentista, na Europa dos séculos XV e XVI.

A iconografia, na época, estabelecia uma antítese entre a ideia de perfeição dos anjos e as imagens grotescas demoníacas, que em tempos bem recuados, já habitaram os céus, juntos. Ou seja, todos eram belos. A grande questão, então é: como pode Deus ter criado seres tão grotescos e bizarros, tendo por irmãos, outros tão belos e perfeitos, como os anjos bons?

Os demônios têm essa aparência mesmo, ou isto é fruto da associação que eles têm com o mal, na imaginação dos teólogos? Será que os demônios – que tanto desejam se aproximar dos humanos para influenciá-los – iriam aparecer-lhes exatamente com aparências de meter medo e pavor, como é o que acontece? Não tem algo estranho?

Na antiguidade

Segundo a cultura grega, os demônios eram espíritos de natureza não mortal e, tampouco divina. Costumavam, segundo aquela cultura, inspirar ou aconselhar os seres humanos, como diz o teólogo Paulo Augusto Tamanini.

Vejamos o que dizem alguns sistemas religiosos sobre eles:

Budismo. O budismo (século VI a.C.) fala da existência de um lugar por nome inferno que é habitado por seres que atormentam os seres humanos, além de os tentarem à prática do mal. Eles atribuem ao demônio Mara a condição de chefe dos demais, a exemplo de Satã, na nossa cultura Ocidental.

Hinduísmo. Os demônios, no hinduísmo (o hinduísmo é originado da religião dos Vedas, aproximadamente 3.500 a.C) são espíritos hostis aos deuses e aos homens.

Egito. A arqueologia egípcia apresenta dois seres demoníacos na antiguidade: Aam era um monstro devorador das almas dos mortos, com cabeça de crocodilo, tronco de leão e a parte posterior do corpo, parecida com hipopótamo. O outro é Aamon, demônio comandante da primeira legião do inferno aparentando um lobo com cauda de serpente.

Zoroastrismo. A religião de Zoroastro (Pérsia, 1400-1200 a.C.) convivia com a ideia filosófica dualista de forças opostas, o bem e o mal, que atuavam em diferentes esferas da matéria (física).

Outras culturas mais antigas. Para os místicos primitivos, animistas e fetichistas, as forças invisíveis, em ação, eram as responsáveis por dar sentido ao mundo e delas se originam uma teia simbólica do bem e do mal, capaz de abastecer de significados, praticamente todas as religiões, até hoje.

A cosmovisão judaico/cristã, sobre demônios

 As culturas mais antigas, antes da religião judaica ou que a Bíblia fosse escrita, já testificavam da existência de forças ocultas a influenciar os homens à prática do mal. Portanto as matriciais místicas mais primitivas se ajustam perfeitamente às narrativas bíblicas sobre a expulsão dos demônios, do céu, antes da criação do homem.

Já, segundo a ótica das religiões cristãs os demônios são conhecidos como “espíritos imundos” (Mt 10,1), “espíritos malignos” (Lc 7,21), “espíritos enganadores” (I Tm 7,1), “espíritos de demônios” (Ap 16,14), “espírito adivinhador” (At 16:16), entre outros adjetivos nebulosos.

Os demônios, portanto, são anjos que foram expulsos do céu conforme Ap 12,9não havendo distinção entre anjos caídos e demônios, pelo que podemos entender da leitura Sagrada.

Nomes, segundo os cânones Judaico e protestante

Biblicamente, geralmente os demônios não são tratados por nomes, a não ser em Isaías 34.14, e nos livros apócrifos onde há uma profusão de nomes atribuídos a eles, inclusive no Livro de Enoch.

No Antigo Testamento. O AT traz importante registro sobre o nome de um demônio que praticamente não é mencionado pelas teologias católica e protestante. Trata-se da mitológica Lilith (Is 34,14). Segundo o folclore judaico ela foi criada do barro, como Adão, mas não se submeteu a este, pelo que foi expulsa do Paraíso, tendo se casado, posteriormente com Caim (Gn 4:17). Tornou-se, então, um ser maléfico ou animal noturno, conforme as traduções recentes da Bíblia (Is 34.14).

No Novo Testamento. No NT o único demônio cujo nome é mencionado é “Abadom” ou “Apoliom” que significa “Destruidor” (Ap 9,11). É um dos anjos do Apocalipse (Jó 26,6 e Ap 9,11). Seu nome é ligado ao anjo do abismo, da morte e do inferno e, por vezes, é identificado como o anjo exterminador. É visto ainda, como chefe dos demônios ou rei dos próprios” segundo o articulista Levi Sousa.

Embora em Mc 5,9 e Lc 8,30 encontremos um demônio dizendo a Jesus, que seu nome é “Legião”, contudo este não é nome próprio e sim o coletivo para um grupo de demônios que se apoderara do gadareno. Lucas diz que, diante da pergunta de Jesus, o demônio respondeu: “Legião; porque tinham entrado nele muitos demônios”.

A evolução dos conceitos

O tema dos demônios, por causa da adrenalina que o terror proporciona, é muito explorado pelo poder econômico através das artes cênicas em filmes, peças literárias, romances, novelas, teatro e principalmente no cinema e na televisão.

Todas as sextas-feiras 13 e semanas do halloween (Dia das Bruxas e celebração de culto aos mortos) as mentes das crianças e adolescentes são invadidas com infusões de porções demoníacas via filmes macabros exibidos na mídia. Freddy Krueger, O Exorcista, Sexta-feira 13, Pânico, Drácula, o Príncipe das Trevas, Nosferatu, e inúmeras outras obras clássicas do terror tornam-se recorrentes.

Os demônios parecem ter vencido o medo pela persistência e penetraram os lares e mentes, sendo-nos hóspedes frequentes, nessas datas. Se os filmes e séries de TV, abordando o terror, não aumentam mais a adrenalina de ninguém, é sinal que ele triunfou. Isto é, aprendemos a conviver com os demônios, sem medo e repúdio. Como parte integrante dos nossos lares eles dialogam conosco, influenciam-nos e se apresentam como seres íntimos. Se não mais tememos alguém, por que nos afastarmos dele?

A ‘suavização’ dos espectros

O primeiro grande clássico do cinema que ‘suavizou’ a imagem do ‘cão’ foi “O Advogado do Diabo”. No filme ele é um sujeito bonachão, elegante, simpático, seguro de si, com trânsito livre em todas as esferas sociais, rico, bonito, inteligente, bon vivant e inigualável poder de persuasão, através de uma retórica refinadíssima.

Diferente do personagem medieval com chifres, cascos de bode, tridente na mão, olhos vermelhos e fedendo a enxofre, no filme ele é capaz de ter cinquenta orgasmos múltiplos com todas as mulheres que desejar e ainda acusar Deus de ser sádico. É capaz de dar ao homem todos os prazeres que este deseja, sem nenhuma sensação de culpa. Ora, o sonho de consumo de todo pecador impenitente é pecar com a consciência tranquila. Ou não é?

E Deus? Pergunta ele. Deus criou tantas coisas boas, mas às melhores ele proíbe o acesso, trazendo seus fiéis sempre reprimidos por desejos incubados, enquanto dá muitas risadas, lá do ‘alto’. Diz o Diabo: Que adianta Deus criar tantas coisas prazerosas e impedir que os homens, delas usufruam?
Demônios como partes integrantes dos cultos cristãos

Artes à parte, dentro dos templos, pasmem, o fascínio pelos demônios se mostra ainda mais forte. Os cultos pentecostais e neo-pentecostais proliferam nas madrugadas, nos canais de TV. São programas dirigidos por pastores exorcistas. Eles entrevistam os demônios, conversam com eles, dão risadas, deixando-os à vontade para dizerem o que pensam e o que fazem, dentro de um culto que, presume-se, é oferecido a Deus. A plateia a tudo assiste, sem, sequer arrepiar os cabelos, durante as “sessões de descarrego”, disfarçadas de cultos.

Enquanto isto, nos lares, os televisores que estão nos quartos e sala, exibem a série “Lúcifer”, encarnado num outro personagem hollywoodiano, distribuindo bondades entre os mortais, angariando solidariedade e simpatia junto a estes, gerando uma incrível simbiose entre ambos.

Resumo da ópera: Não se fazem mais demônios, como antigamente, ou fomos ‘domados’ por eles?

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