DEZEMBRO E O CONCEITO DO ‘NOVO’

O evento mais aguardado por nós, durante o ano todo é o Natal. É o mais importante porque tem a capacidade de reavivar o imaginário dos dois tipos de estruturas que compõem o nosso quadro sócio/religioso, ou seja, o profano e o sagrado, segundo o filósofo e sociólogo Micea Eliade.

O Natal mexe com o conceito do “novo”, do nosso inconsciente. O “novo’, é óbvio, está relacionado a nascimento, renovação, à alegria e à infância. Logo, o menino Jesus nos mobiliza a todos, em torno do seu nascimento, em dezembro. Mas, os que festejam o nascimento do menino Jesus  em dezembro, nem sequer lembram que o crucificarão em Abril. Lembrar os sofrimentos de abril é coisa de adulto. Em dezembro nós não somos adultos. Somos crianças. Iguaizinhos ao menino Jesus. Afinal, quem crucificou Jesus não foram as crianças. Foram os adultos.

No Natal nós somos crianças. Nossas expectativas giram em torno de brinquedos, lembrancinhas, presentes, trocas de mensagens de confraternização, abraços, beijos e juras de amizade eterna. Enredados nesse delírio frenético, dezembrino, esquecemos que somos adultos e nos entregamos às brincadeiras.
Nos meses do ano, que temos para ser adultos – entre janeiro e novembro – aprendemos a distinguir os tempos. Aprendemos que há tempo de nascer, de viver e de morrer. Mas no mês de dezembro, não; é Natal; é tempo de nascer (ou renascer?) e ser criança; tempo de se preparar para ser adulto, quando janeiro chegar.
Não é somente Jesus que nasce em dezembro; nós também nascemos com ele. Somos crianças; somos meninos. Crianças e meninos; meninos e crianças.
As casas com suas paredes encaliçadas, as ruas, os comércios, as praças, os canais de TV, as propagandas etc., tudo é sorriso, folguedo, brincadeiras, reconciliações, abraços, mágoas esquecidas, votos renovados, promessas às divindades, casas cheias de visitas, buzinas de carros nas ruas.

No Natal ninguém é órfão. Todos nós temos pai e mãe. Quem pode dizer que é órfão de ‘pai’ tendo um como ‘Papai Noel’? Ou órfão de mãe, quem tem uma como Maria? Afinal Maria não é mãe, somente de Jesus. Ela é nossa mãe, também. É mãe das nações cristãs.
No Natal nós viramos meninos, como o menino Jesus e todos terminamos por ter todos uma mesma mãe: Maria. Esquecemos, momentaneamente, os rancores, colocando-os de lado onde, contudo, possamos lançar mão mais tarde. Os rancores, as mágoas, os ressentimentos, as intrigas. Isto são coisas de adultos.  Adulto é de janeiro a novembro. Agora, em dezembro, somos crianças e estas não guardam rancores.

Agora é dezembro e nós iguaizinhos aos meninos, não nos importamos se alguém nos magoou ou se magoamos alguém. Dezembro é tempo de abraçar, de sorrir, de perdoar e de esquecer. De  fartar-se a mesa.
Dezembro é tempo de enterrar os ranços e raspar os lodos acumulados de janeiro a novembro. Nesses meses em que somos todos adultos. Em dezembro todas as mulheres são mães; todas as mulheres são ‘Marias’; como Maria, mãe do menino Jesus.

Mas dezembro chega ao fim, dando lugar a janeiro. Passado dezembro os deuses também envelhecem e em janeiro Jesus não é mais menino. Envelhece tão depressa, que em três ou quatro meses – quando chega a semana santa – vira homem, é julgado e condenado à morte, na sexta-feira santa.
No dia vinte e seis de dezembro, Papai Noel juntou suas renas e disse adeus, levando os devaneios, os delírios, as ilusões. Janeiro assume seu aspecto grave e, muitas vezes rude. Ele nos reconduz à realidade da fase adulta.
Agora que janeiro chegou, as mães se envileceram e já não são mais tão ‘Marias’. São comuns. São mulheres, para nada mais além disto.
Sequer nós, seus filhos, somos mais meninos. Crescemos; cobrimo-nos de vícios; acumulamo-nos de malícias.
Tornamo-nos adultos e agora vamos nos preparar para crucificar, em abril, Aquele que nasceu em dezembro: Jesus, o Nazareno..

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